quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Foi colocada por diversas vezes a questão sobre a possibilidade de fazer projectos semelhantes com outras espécies

Sim, é expectável que nos próximos anos surjam em Portugal mais projectos deste género com outras espécies. Contudo é preciso ter em conta diversas condicionantes de ordem prática, de ordem técnica e financeira. Este tipo de equipamentos são ainda relativamente caros e a tecnicamente difíceis de executar. Tem que ser muito bem analisadas as questões ligadas à fonte de alimentação de energia e à transmissão de dados, dado que em locais remotos estas questões podem ser muito complicadas. Por outro lado é necessário seleccionar um local em que as coisas possam ser feitas de forma a nunca prejudicar as aves que se pretende filmar e tudo isso requer uma análise muito cuidada.
Pode ser que para o próximo ano surjam algumas novidades...

Que outras espécies nidificam um pouco fora da época habitual, ou seja apenas da Primavera?

Há algumas espécies que em determinados locais e em determinados anos com condições propícias de habitat podem nidificar ao longo de todo o ano. Uma delas é o Caimão ou Galinha-sultana Porphyrio porphyrio, que é uma ave aquática que, no Algarve, nidifica praticamente ao longo de todo o ano. O mesmo se passa com a Rola-turca, espécie que pode ser facilmente vista junto de centros urbanos, e que frequentemente nidifica no final do Inverno e durante o Verão e Outono.

Quanto às espécies que nidificam mais tardiamente temos o Rolieiro Coracias garrulus, que apenas inicía a reprodução em Maio e o Solitário Cercothrichas galactotes, que geralmente só inicia a reprodução em Junho.

Eu pensava que os pássaros, grandes e pequenos, só faziam ninho na Primavera. Ora estamos ainda em Janeiro. Será que é devido à mudança do clima?

Ora aqui está uma questão interessante. Regra geral, nas regiões temperadas, onde as estações do ano são geralmente bem marcadas, a época de reprodução das aves decorre durante a Primavera. Contudo, a diversidade de espécies é muito grande (nidificam em Portugal cerca de 200 espécies) e a biologia reprodutiva entre elas apresenta algumas diferenças significativas. Estas diferenças podem dever-se a diferentes aspectos. A maior parte das espécies "planeia" a reprodução para o nascimento das crias coincidir com períodos de elevada disponibilidade de alimento e assim terem mais garantia de sucesso em conseguir crias as ninhadas. Para a generalidade das espécies este período ocorre durante a Primavera e a actividade reprodutiva é "despoletada", por exemplo pelo aumento do número de horas de luz por dia. Outro aspecto que condiciona a época de reprodução das espécies é a duração do seu período reprodutor, sendo que normalmente espécies de pequena dimensão, como as andorinhas ou os pardais, tem períodos reprodutores bastante curtos, em que a incubação dos ovos dura cerca de duas semanas e as crias permanecem no ninho por um período idêntico, o que lhes permite, inclusivé criar 2 ou mesmo 3 nnhadas numa época. As espécies de grandes dimensões, como é o caso do Grifo, que é uma das maiores aves que ocorre no nosso país, tem um período reprodutor extremamente longo (cerca de 7-8 meses desde o início das paradas nupciais até à independência da cria) e por isso tem que começar tão cedo.
O grifo é a espécie que inicia a reprodução mais cedo das espécies autóctones do nosso país, começando as paradas nupciais em finais de Novembro e efectuando as posturas entre meados de Dezembro e meados de Março, sendo que a maioria das posturas nesta região ocorre em Janeiro e no início de Fevereiro. Outras espécies que iniciam a reprodução mais cedo entre nós são a Águia de Bonelli Hieraaetus fasciatus (que é grande) e o Cartaxo Saxicola torquata (que é pequeno, pesando cerca de 15 a 18 g)

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Os pingos que se vêem são chuva?

Não, não se tratam de pingos de chuva, mas sim de particulas (poeiras) acumuladas no vidro, devido à humidade nocturna ou ao nevoeiro matinal e que provocam aquele efeito com a exposição directa da luz do sol.
Agora não se pode proceder à limpeza do vidro, para não perturbar as aves, mas se o ninho tiver sucesso proceder-se-á à limpeza quando formos anilhar a cria. Esperemos que a situação não piore, pois isso a acontecer, só para finais de Maio ou inícios de Junho.

O emaranhado de paus que se vê no canto inferior direito é um ninho?

Não, os paus que se observam aí são bocados que caem do ninho e que se vão amontoando por ali. Não há nenhum ninho muito próximo. Creio que o mais próximo, que não se vê com a câmara está a cerca de 30 a 40 m de distância.

Dúvidas sobre a envergadura e o comprimento da asa

A envergadura é a distância entre as pontas das asas quando a ave tem as asas abertas e esticadas (como no logotipo da página Grifos na web). No caso do Grifo o valor situa-se entre os 2,40 e os 2,80 m. O Abutre de Rueppell é ligeiramente mais pequeno e a sua envergadura varia entre os 2,20 e os 2,50 m.
O comprimento da asa geralmente descrito como a distância entre a articulação que nos humanos pode ser comparada ao cotovelo e a ponta das penas e normalmente é medida com a asa fechada. No caso das aves de grande porte esta medida não é geralmente efectuada por ser difícil de obter, mas é uma das medidas mais utilizadas pelos cientistas e anilhadores nas aves de pequeno e médio porte.

E perguntam vocês: mas para que servem essas medidas?

Além das asas, são geralmente também medidos o bico, o comprimento dos tarsos, da cauda, o peso das aves e a acumulação de gordura.
Estes dados servem, por exemplo, para comparar aves de diferentes populações, ou seja com origens geográficas distintas (sendo geralmente as aves das populações a norte maiores que as existentes a sul), para comparar aves da mesma espécie de sexo ou idade diferentes e para comparar espécies diferentes, mas externamente muito semelhantes.
Estes dados são muito úteis nos estudos sobre as migrações, ou para determinação da origem geográfica de algumas populações. Um exemplo em que este tipo de dados foram utilizados em Portugal foi na determinação da origem geográfica de algumas espécies de aves limícolas que invernam nos estuários portugueses, em que as populações foram identificadas através de dados biométricos e genéticos.

Será que vamos ter grifo?

Pela segunda vez esta manhã um grifo esteve pousado no ninho e não houve sinais do abutre de Rueppell. A expectativa aumenta. Será que está acasalado com o abutre de Rueppell?
ou será um grifo à procura de local para fazer ninho?
Os próximos dias serão seguramente esclarecedores. Teremos que estar atentos e ter paciência

Iremos ter um grifo no ninho principal?

Neste preciso momento encontra-se no ninho um Grifo, que se encontra a compor o ninho. Será que é o parceiro do abutre de Rueppell? É possível que sim, mas vamos ter que esperar para ter a certeza

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O Abutre de Rueppell é uma espécie exótica?

Não. Neste caso trata-se provavelmente de uma ave de ocorrência acidental, ou seja uma ave que surge entre nós de forma natural, mas em que esse ocorrência é extremamente rara. Este fenómeno não é novo e acontece todos os anos especialmente durante os períodos de migração, em que algumas aves se desviam das suas rotas migratórias, por exemplo, devido a tempestades, e surgem em locais pouco habituais, fora das suas áreas normais de distribuição. Regra geral estes indivíduos "perdidos" não se estabelecem como reprodutores, embora isso esporadicamente possa acontecer. São disso exemplo o Pato-preto-americano Anas rubripes na Ilha do Corvo, Açores ou o abutre de Rueppell que nidificou no Parque Natural do Tejo Internacional em 1999.
Na Europa surgem todos os anos espécies tipicas do continente americano, asiático e mesmo africano que aí não ocorrem de forma regular. As ilhas açorianas são particularmente ricas neste fenómeno, havendo actualmente uma verdadeira indústria turistica do chamado turismo ornitológico das raridades. Para saber mais sobre este tema, consulte a página da SPEA (www.spea.pt) onde existe uma secção dedicada a este assunto.


No caso particular dos abutres de Rueppell a sua chegada à Península Ibérica é feita devido aos movimentos migratórios dos grifos. No final do Outono, as aves jovens e imaturas reunem-se em grandes bandos que migram até ao norte de África e Alguns locais da África sub-sahariana, como a Mauritania e o Senegal. Aí misturam-se como os Abutres de Rueppell residentes, que os acampanham na migração para Norte no final do Inverno. Nos últimos anos o número de registos de abutres de Rueppell na região do estreito de Gibraltar (local por onde as aves atravessam o mar Mediterrâneo durante a migração) aumentou, pelo que actualmente existem vários indivíduos na Península Ibérica, embora em locais distintos. Pode ser que outro se decida a visitar a colónia onde temos a câmara e se dê o acasalamento com o nosso abutre!

O ovo é abandonado em alguma ocasião?

Não, a não ser que as aves sejam bastante perturbadas, por exemplo pela proximidade excessiva de seres humanos. O progenitor apenas sai de cima do ovo por breves instantes, geralmente no início da manhã, para exercitar as asas, para aquecer ao sol (geralmente de asas abertas) ou para defecar. Também se levantam diversas vezes por dia para rodar o ovo de forma a lhe assegurar um fornecimento de calor adequado.

Quem trata da incubação do ovo?

Ambos os progenitores. A partir do momento que o ovo é posto, o macho e a fêmea irão alternando a tarefa de incubação. As trocas ocorrem uma vez por dia ou de dois em dois ou mesmo de três em três dias. Desta forma quer o macho quer a fêmea podem deslocar-se em busca de alimento, regressando ao ninho quando saciados, para tomar a vez do parceiro.

O abutre de Rueppell já tem parceiro?

O abutre de Rueppell continua aparentemente sem parceiro, isto é, não acasalado. Não são conhecidos em estado selvagem casais híbridos entre o abutre de Rueppell e o grifo (ou outras espécies de abutres), embora isso já tenha sido observado em circustâncias de cativeiro.

Ainda é cedo para saber se vai ou não acasalar. Até ao momento não foi avistado outro indivíduo da mesma espécie naquela região, pelo que a expectativa é ver se formará um casal híbrido com um grifo. Também não se sabe se, caso tal viesse a acontecer, produziriam ou não descendência viável.
Teremos que ter paciência e esperar para ver o que se irá passar.

Quem está onde?

Tem surgido a dúvida em alguns dos comentários enviados acerca de que espécie está a ocupar os ninhos que se conseguem observar.
A sequência foi a seguinte: o ninho "principal" foi inicialmente ocupado pelo abutre de Rueppell, em finais de Novembro. No dia 7 de janeiro, bem como em outras ocasiões, observaram-se grifos nesse ninho e inclusivamente observaram-se algumas cópulas, sempre entre grifos. No entanto, o "dono" do ninho continuou a ser o Abutre de Rueppell, que conseguiu eficazmente repelir todos os grifos que tentaram ocupar o ninho (ver um dos videos mais recentes).

O segundo ninho (o que se vê menos bem) foi ocupado por um casal de Grifo que já efectuou a postura do seu único ovo. Espera-se que o ovo ecloda em meados de Março. Agora poderão observar-se esporadicamente trocas entre o macho e a fêmea na tarefa de incubar o precioso ovo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Como foi colocada a câmara de filmar? O seu funcionamento incomoda os abutres?

Todos os passos deste projecto foram muito bem planeados tendo sempre um objectivo primordial: assegurar que não se prejudicavam os grifos e as restantes espécies que nidificam naquele local. Estas espécies necessitam de muita tranquilidade nos locais onde nidificam, havendo o risco de abandonarem os ovos ou as crias, ou mesmo abandonarem definitivamente o local se forem muito perturbadas.
Tendo este factor em conta, o projecto foi avaliado por técnicos especializados na biologia da espécie, que decidiram a melhor forma de actuar de modo a minimizar o impacte desta acção sobre as aves da colónia em causa.
a colocação da câmara foi efectuada antes do início do período reprodutor, numa fase em que o impacte da presença humana nas escarpas é mais reduzido e procurou-se fazer a sua colocação no mais curto espaço de tempo possível. O local onde foi colocada não interfere com locais de poiso ou com os movimentos das aves e encontra-se a cerca de 3 a 4 metros do ninho.
A câmara escolhida apresenta uma estrutura adequada para esta finalidade, pois encontra-se dentros de uma redoma de vidro e possui um braço que permite a sua fixação à rocha (assemelha-se a um candeeiro) e toda a estrutura foi pintada de forma a ficar integrada no ambiente envolvente. Não produz ruído a funcionar e o movimento quando se desloca é quase imperceptível, pois fá-lo no interior da redoma de vidro.
As evidências de que não interfere com as actividades das aves são o facto de a terem aceite com bastante rapidez e de se estarem a comportar de forma totalmente natural, não mostrando quaisquer sinais de inquietação.
Onde dormem os Grifos?

Dormem geralmente numa saliência rochosa nas escarpas. No caso das aves que estamos a seguir pode observar-se nos vídeos disponíveis o Abutre de Rueppell a dormir no local do ninho no dia 28 de Novembro e no dia 13 de Dezembro um Grifo a dormir numa saliência rochosa muito próxima. A partir do momento que seja efectuada a postura uma das aves passará a dormir todos os dias no ninho, sobre o ovo.
Por vezes, quando buscam alimento em áreas sem escarpas ou quando decidem pernoitar próximo de uma fonte de alimento os Grifos formam dormitórios em árvores, que podem ser mistos com Abutres-pretos e possuir várias dezenas, ou mesmo centenas de indivíduos.

O Abutre de Rueppell está acasalado ou anda sozinho?

Ainda não sabemos! Até agora só foi visto 1 indivíduo de cada vez no ninho, que pode ser sempre o mesmo. No entanto, o facto de estar a construir o ninho indicia intenção de se reproduzir, pelo que poderá estar acasalado. Será algo que tentaremos esclarecer nos próximos dias :-)
Na única situação de nidificação confirmada desta espécie no Paleártico Ocidental, não foi possível confirmar se o casal era de Abutres de Rueppell ou se seria um casal misto com Grifo. Pode ser que agora se consiga solucionar esse mistério.
Não são conhecidos casos de hibridização entre diferentes espécies de abutres na Natureza, no entanto casais mistos de Grifo com Abutre de Rueppell foram já observados em condições de cativeiro.

Resposta a algumas questões

Foi com enorme agrado que vi a adesão e o interesse que este projecto despertou. Iremos procurar neste espaço fazer não só a descrição dos comportamentos e diferentes fases do que vai acontecendo nos ninhos que estão a ser observados, mas também responder a muitas das questões que tem sido levantadas e disponibilizar mais informação sobre a biologia, distribuição, requisitos ecológicos, ameaças e projectos de conservação realizados ou em curso para o grifo e para os resatantes abutres Ibéricos.

A resposta a algumas questões:

Quantos ninhos estão a ser seguidos?

A câmara de filmar é direccional, possui zoom e é comandada à distância através do teclado de um computador. Foi colocada num local que permite a visualização em excelentes condições do ninho que se encontra mais próximo e de onde foram extraídos todos os clips disponíveis no site. Permite ainda a visualização de outro ninho de Grifo, embora a visibilidade para este seja menos boa, pois apenas se consegue ver o ninho parcialmente. Esse ninho é verificado com alguma regularidade e aparentemente aí já ocorreu a postura do único ovo. É ainda provável que se venha a conseguir observar um terceiro ninho de Grifo e, eventualmente, de uma das outras espécies que nidificam no local, como a Cegonha-preta.

Como se distingue o macho da fêmea?

É muito difícil a olho nu, dado que o macho e a fêmea são idênticos no que respeita às características externas. No entanto as fêmeas são em média um pouco maiores que os machos, ou seja existe um ligeiro dimorfismo sexual. Por vezes podem observar-se diferenças na plumagem entre os membros de um casal, por exemplo se forem indivíduos com idades diferentes e isso poderá permitir distingui-los. Vamos ver se isso será possível com os casais que estamos a seguir.

Há ou não um ovo no ninho?

Não, ainda não foi efectuada a postura no ninho que se observa mais regularmente. No outro ninho com menor visibilidade parece já ter ocorrido muito recentemente a postura, dado haver regularmente um indivíduo no ninho em posição de incubação.
No ninho mais visível as aves encontram-se ainda em fase de construção do ninho e realizam frequentemente voos de parada núpcial sobre a colónia (voos em que os membros do casal voam um sobre o outro, muito juntos, e que tem como função o estreitar dos laços entre o casal e estimular a fertilidade da fêmea). Dado que o ritmo de construção do ninho acelerou bastante nos últimos dois dias é provável que a postura venha a ocorrer em breve.

Porque não consigo ver nenhuma ave no ninho?

Porque nesta fase as aves passam muito tempo fora do ninho ou porque se foram alimentar, actividade para a qual se podem afastar várias dezenas de quilómetros em busca de cadáveres ou porque se encontram a realizar os voos de parada nupcial. Regra geral, há quase todos os dias períodos de actividade mais intensa na construção do ninho, o que nos últimos dois dias aconteceu no final da manhã.